Se hoje você assiste as corridas de Fórmula 1 e acha tudo muito chato, saiba que um dia a categoria foi bem diferente. Tão diferente que, ao invés dos insuportáveis pilotos atuais, sempre arrogantes e arredios, existiam pilotos próximos dos seres humanos normais, que bebiam, gostavam de mulheres, fumavam e aceleravam verdadeiras “cadeiras elétricas”. Os mais lembrados dessa linhagem são François Cevert e James Hunt, que levavam a sério o título de “playboys” e eram “bons vivants” sérios e dedicados.
Em outubro serão lembrados os 40 anos da partida de Cevert, ao mesmo tempo em que neste ano de 2013, lembramos os 20 anos da morte de James Hunt, com parte da sua história contada no filme “Rush”, que já está nos cinemas. Hunt foi único, o mais esculachado dos pilotos que já passou pela Fórmula 1, mas era muito bom no seu ofício. Foi também o mais inesperado campeão do mundo de todos os tempos.
James Simon Wallis Hunt nasceu em Belmont, na Inglaterra em 29 de agosto de 1947. Era filho de um bem sucedido corretor da bolsa de valôres e estudou nos melhores colégios ingleses. A sua intenção era se formar médico, mas essa vontade durou pouco. Aos 18 anos foi assistir uma corrida de carros e ficou impressionado. Logo começou a participar de competições com um Mini Cooper preparado. Tomou gosto pela coisa e, depois, passou para a Fórmula Ford e, em seguida, Fórmula 3. Pensava mais com o pé direito do que com a cabeça, e seu estilo rápido e agressivo o levou a alguns acidentes violentos, que lhe valeram o apelido de “Hunt the Shunt” (algo como “Hunt, o acidentado”).
O LORD HESKETH
Depois de bons resultados nas Fórmula Ford e 3, passou a correr de Fórmula 2. Em 1972, conheceu um nobre tão sem juízo quanto ele, Alexander Hesketh, um jovem barão com muito dinheiro e nenhum compromisso. Era a dupla perfeita, que conduziu os dois para a Fórmula 1. Hunt convenceu Hesket a comprar dois March, um de Fórmula 2 e outro de Fórmula 1, e com isso em 1973 o piloto disputou os dois campeonatos, com bons resultados.
A estréia de Hunt na F-1 foi no GP do Mônaco, onde não terminou a prova, mas no GP da França terminou a corrida em sexto lugar. Mas o melhor estava por vir: o terceiro lugar na Holanda e o segundo em Watkins Glen fizeram com que Hunt terminasse o campeonato em oitavo lugar, com 14 pontos e dois pódios. Convém lembrar que naquela época os pilotos eram do nível de Emerson Fittipaldi, Jackie Stewart, Carlos Pace, François Cevert, Ronnie Peterson e outros de primeira grandeza, diferente de hoje.
Em 1974, Hunt e Hesketh, juntamente com o projetista Harvey Postlewaithe, criaram a equipe Hesketh, que não foi levada muito a sério pelos seus rivais. Por incrível que pareça, o dinheiro gasto para construir e manter a equipe de Fórmula não significava muito diante da fortuna de Lord Hesketh, cujo estilo de vida abalou a Fórmula 1 da altura: promovia sempre festas com muita bebida e mulheres, para alegria de Hunt.
Quando possível, Hesketh levava o seu iate ou seu Rolls-Royce aos circuitos, para espanto de todos. É claro que o piloto não deixava por menos: além de fumar e beber, seu gosto por mulheres se tornou lendário na categoria, onde ele mesmo se considerava “insaciável”. Chegou até mesmo a declarar que “sexo é o café da manhã dos campeões”. Diz a história que, em duas semanas, dormiu com 33 aeromoças.
RESULTADOS
Mas quem achava a dupla e seu carro pouco sérios, teve que reconsiderar, e rápido. Os resultados da Hesketh de James Hunt logo deixaram seus adversários de cabelos em pé: venceu o “BRDC International Trophy”, em Silverstone, prova extra-campeonato, e nas provas oficiais, conseguiu três pódios, somando no total 15 pontos e de novo o oitavo lugar da classificação geral.
Foi em 1975 que Hunt e Hesketh chegaram ao auge. A vitória no GP da Holanda mostrou que, apesar do seu estilo despreocupado e alucinado de vida, Hunt era mesmo um piloto talentoso. O britânico conseguiu mais três pódios, encerrando a temporada no quarto lugar, com 37 pontos.
Diz a sabedoria popular que, quem não trata bem o dinheiro acaba se arrependendo, e isso valeu para Lord Hesketh: a família cortou seus gastos exagerados e ele começou a ficar sem dinheiro, e ainda por cima não conseguiu os patrocínios necessários para prosseguir sua aventura na Fórmula 1 em nível competitivo.
Hunt imaginou que sua carreira estava acabada, mas a sorte veio ao seu encontro mais uma vez: a McLaren procurava um substituto para Emerson Fittipaldi, que tinha saído da equipe correr pela Copersucar-Fittipaldi. A equipe Hesketh durou até 1978, sem nenhum destaque; em 1976 o brasileiro Alex Dias Ribeiro correu o GP dos Estados Unidos com um carro da equipe.
NA MCLAREN
Em 1976, Hunt chegou à McLaren e encontrou um carro campeão, desenvolvido por Emerson Fittipaldi, e este foi seu melhor ano na F-1. Transformou-se no maior rival de Niki Lauda -que fora das pistas era um dos seus melhores amigos- e seus duelos foram épicos, hoje retratados no cinema, no filme “Rush”. Apesar de ter começado mal a temporada, ganhou na Espanha, vitória confirmada depois de uma primeira desclassificação, devido a protestos por parte da Ferrari. Venceu novamente na França, e foi desclassificado na Inglaterra, depois de ter provocado um acidente na primeira curva do circuito de Brands Hatch.
A partir de Nurburgring, quando Niki Lauda sofreu o acidente quase fatal, suas então pequenas esperanças de ganhar o título mundial aumentaram, e ele pode mostra sua competência. Das seis provas seguintes, ganhou quatro, enquanto Lauda, depois do seu dramático regresso em Monza (onde foi quarto colocado), teve como melhor resultado o terceiro lugar em Watkins Glen. Na última prova do ano, no circuito japonês de Fuji, sob forte tempestade, Lauda abandonou voluntariamente, enquanto que Hunt enfrentou a tempestade para ser o terceiro colocado, e com isso ganhou o título mundial por apenas um ponto (69 pontos contra 68 de Lauda).
Além das seis vitórias naquele ano, o inglês conseguiu mais dois pódios, oito pole positions e duas voltas mais rápidas, e com isso conquistou o direito de usar o número 1 na temporada de 1977.
Naquele ano de 1977, o McLaren M23 foi bem, mas já era um carro superado e não conseguiu superar as Ferrari de Niki Lauda e Carlos Reutmann. Mesmo assim, Hunt venceu em Silverstone, Watkins Glen e Fuji. Ainda foi mais três vezes ao pódio e fez mais seis poles e três voltas mais rápidas. No final do campeonato, ficou na quarta posição, com 40 pontos, 32 pontos atrás do campeão Niki Lauda.
SEM MOTIVAÇÃO
A situação piorou em 1978 na McLaren, com o surgimento do Lotus 79 e seu efeito-solo. O M26, que substituiu o M23, não estava preparado para tal recurso, apesar de ter sido bastante modificado durante o ano, e a motivação de Hunt começou a cair. O melhor que conseguiu foi um terceiro lugar em França, o único pódio do ano. No final da temporada de 1978, somava oito pontos e o 13º lugar na classificação, com um mísero pódio.
Para piorar, o seu eventual substituto (que já tinha assinado com a McLaren) e amigo Ronnie Peterson tem um acidente grave em Monza e morreu dois dias depois. Hunt foi um dos pilotos que tirou Peterson do carro em chamas (os outros foram Clay Regazzoni e Hans Stuck), e culpou o novato Riccardo Patrese, da Arrows, pelo acidente. O italiano foi impedido de correr em Watkins Glen. Para outros, o acidente foi provocado pelo próprio Hunt, que bateu no carro de Patrese que, em consequência, atingiu a Lotus do sueco.
No final da temporada, Hunt foi para a Wolf, como substituto de Jody Scheckter, que por sua vez tinha sido contratado pela Ferrari. Sem motivação alguma e com a vida pessoal sempre turbulenta (estava se divorciando), para piorar as coisas o carro não era competitivo. Após o GP do Mônaco, onde não conseguiu terminar a prova, decidiu abandonar de vez a Fórmula 1, com apenas 31 anos e uma longa carreira ainda pela frente. A sua trajetória na Fórmula 1 contabiliza 93 GPs em sete temporadas, o título de Campeão do Mundo em 1976, 10 vitórias, 14 poles, oito voltas mais rápidas, 23 pódios e 187 pontos no total.
DEPOIS DA F-1
A vida de Hunt pós-Fórmula 1 foi complicada. Brigou ao longo da década de 1980 com problemas de álcool e depressão, e a maioria dos seus negócios fracassou, o que fez com que ficasse à beira da falência. Mas ao mesmo tempo, tornou-se comentarista de Fórmula 1 na BBC. Os seus comentários eram cáusticos, e muitas das inimizades dos seus tempos de piloto ainda ecoavam. Só falava mal de Riccardo Patrese, muito tempo depois do acidente de Peterson, e certa vez afirmou que o estilo de pilotagem de René Arnoux, então num fim de carreira inglório na Ligier, era uma merda. Sem meias palavras.
Mas no final da sua curta vida, Hunt já estava muito mais calmo. Tinha largado a bebida, parou de fumar, tinha dois filhos e estava com a vida estabilizada. Tão tranquilo que um de seus hobbies era a criação de pássaros. Mas nada disso não foi suficiente. James Hunt morreu no dia a 15 de junho de 1993, na sua casa em Wimbledon, pertinho de Londres, derrotado por um ataque cardíaco. Tinha 45 anos, e com ele se foi uma parte romântica e irrereverente da Fórmula 1, que nunca mais foi a mesma.